7/19/2004

Decidi escrever histórias... Uma veio de uma conversa, na "praça". Outra veio de um caso que eu vi uma vez... E que pode ser ou não real. Vou escrever sempre um capítulo de cada uma das histórias em cada post. Apenas por que acho que elas começaram juntas (ou pelo menos na mesma época) e deveriam terminar juntas.

MENINOS BOBOS Capítulo I

... E ela sorriu, meio na brincadeira, meio falando sério. E era isso que sempre o confundia. Não adiantava insistir. Ela nunca iria explicar o que aquela risada significava. Yuri apenas pediu licença e saiu da roda. Se aproximava das seis horas da tarde e havia boatos de um show pra começar por esse horário. O palco que no dia anterior tinha inaugurado a festa da cidade com danças e um discurso pouco aplaudido do prefeito agora tinha uma bateria, caixas de som e microfones. Na frente do palco, grupinhos vestidos de preto. Algumas meninas num canto fumando. Outras meninas num outro canto fingindo fumar. Algumas latinhas de cerveja e muitas pessoas que nunca beberam fingindo beber.  As festas da cidade eram sempre assim. As mesmas pessoas que ali estavam agora inteiras de preto no próximo rodeio seriam peões, com chapéus e botinas. Mas naquele dia elas eram rockeiras. E haviam pessoas com coturnos e correntes. Pessoas com moicanos e calças rasgadas. E havia o Yuri. Sua camiseta azul nada tinha demais. Sua calça jeans também não. Seu tênis; branco. Passou por alguns grupinhos e poucos foram os que deram atenção para ele. Tirou o cabelo da cara e apertou os olhos para ver o palco. As luzes refletoras deram direto nos seus olhos. Tinham uma cor clara. Não as luzes, seus olhos. O cabelo liso caiu em seu rosto de novo enquanto ele ia para um lugar da onde pudesse ver melhor o show. Parou perto de uma barraca de água, meio ao lado do palco. Umas seis e quarenta a banda entrou no palco para se aprontar. O show começou às sete. Atraso pequeno levando em conta que quem tocava era a banda mais aclamada da cidade. O vocalista, um dos meninos mais lindos da escola de acordo com a opinião geral das garotas de lá, tinha dessas. Dava de astro. Começar os shows bem depois do programado era o seu "charme". E as meninas pareciam adorar, pois foi só a banda tocar o mais novo "hit" das rádios para elas gritarem coisas como "lindo", "maravilhoso" e "gostoso" para o loiro magrelo cantando no palco. Um pouco mais atrás caras "batiam cabeça" ao som de um pop agitadinho. Mas a banda tocava bem, e Yuri tinha que admitir. Tiravam covers como ninguém e tocavam como se fosse a música da rádio. E ninguém se importava se eles não tinham música nenhuma deles. Todos queriam musicas que soubessem de cor e que pudessem cantar. E isso eles ofereciam de monte.   Da onde estava Yuri acompanhou as músicas. Cantou algumas sim, aquelas que gostava. Inclusive muitas das quais ninguém conhecia. Clássicos do rock ou "alternativinhas" a banda tirava algumas músicas mais desconhecidas para quem sabe, acharem que aquelas eram músicas suas. Yuri porém conhecia todas.  O show acabou e já se viam algumas pessoas caidas pelo chão. Aquelas que fingiam beber agora estavam lá, vomitando de verdade. Yuri ficou mais um pouco perto da barraca de água. Via as pessoas que começavam a ir embora. Daqui a pouco ele iria. Agora que já havia curtido o que precisava iria beber um pouco de vinho. Porque quem sabe beber, bebe com classe.

continua...  

ESTELA Capítulo I

- Tenho que ir. Tchau.
- Tchau! - responderam as meninas em uníssono. A roda voltava a ser só de garotas. Já dava pra cochichar.
- Não acredito que você não acha ele bonito Dani!
- Mais ou menos... O amigo dele é mais bonitinho!
- O que você acha, Estela?
- A montanha russa tá sem fila! Vamos logo antes que encha de novo!!!

Aquela não era a resposta que as amiga de Estela esperavam, mas não podiam fazer nada. Parecia que agora que tinha namorado ela só tinha olhos para ele. Correram para a montanha russa e pegaram os melhores lugares. Estela já era experiente no brinquedo. Ora ia na frente para ser a primeira a sentir tudo que se pode sentir nas descidas e subidas do carrinho, ora ia atrás, e levava o impacto todo de cada curva e desnível. O meio era apenas para relaxar um pouco das sensações.  Estela não ia dessa vez no primeiro carrinho. Dois garotinhos iam lá e atrás, um casal de namorados. Do terceiro carrinho porém ela já conseguia sentir o suficiente do percurso. Foi a primeira volta sozinha. Viu o carrinho subir lentamente, mas numa subida inclinada e que parecia não ter fim. Enquanto o ar parecia esfriar à medida que os vagões subiam Estela sorria pensando na última sexta em que trabalhará com seu tio. Isso significava para ela apenas uma coisa: sucesso! Foi um ano e meio em que ela e mais um grupo de pessoas passaram trabalhando na recuperação de um parque num bairro carente da cidade. Seu tio era arquiteto urbanista e já vinha com esse programa de recuperação de parques e centros esportivos em bairros pobres a algum tempo. O projeto de seu tio ainda que contasse com a permissão da prefeitura para ser realizado não contava com apoio financeiro para tal e dependia entre outras coisas do trabalho voluntário e de doações. Estela decidiu ajudá-lo quando cogitou a idéia de fazer a faculdade de arquitetura. Agora com a praça pronta e crianças carentes tendo finalmente um lugar para brincar Estela se via realizada. Conquistara um das suas metas e isso à colocava no topo. Também era onde chegara com a montanha russa. O carrinho não mais subia e se preparava para descer. Num único movimento ele despencou. Estela sentiu o frio do vento congelar-lhe a espinha. Estremeceu também ao pensar em que tudo que abandonava deixando de ajudar o tio. Eram muitos amigos que fizera, muitas coisas que aprendera. Provavelmente as levaria consigo, mas não seria mais a mesma coisa. Uma amiga casara e ia mudar de Estado. A outra ia mudar de país, atrás de um emprego dos sonhos. Duas não eram da mesma cidade. Um amigo era ocupado demais para se falar em outro horário que não o do serviço e um começava a namorar uma menina um tanto quanto ciumenta. A única amiga que ela teria mais próxima se encontrava na mesma época da vida que ela. Pré-vestibular. Pega de surpresa por uma curva no percurso da montanha-russa, Estela se via numa mudança drástica de direção. Sem mais trabalhos voluntários Estela teria que estudar. Era tirar as mãos da prática e pôr a cabeça na teoria. E isso parecia díficil. Mal sua vida saia dessa curva ela entrava num looping e tudo estava de pernas pro ar. O primeiro cara de quem Estela realmente gostara lhe dera um belo pé na bunda. Ele ao menos tinha sido mais criativo que a maioria. Não era um mero "não quero mais". Era mais como um "tenho uma esposa e uma filha no Sul do país". Pensar nisso enjoava Estela. Ou era o looping real pelo qual o vagão passava.  Mais algumas subidas e descidas, curvas não tão violentas e o vagão voltava ao começo de tudo. Era o grupo de teatro que Estela participava que já não ensaiava como antes e não tinha onde apresentar. Nem dinheiro para o figurino tinham. Era por outro lado os amigos que reencontrava nas férias e os que ela conhecia agora. Era a descida provocada pelos pais cada vez mais irritados e mais a ponto de se separarem. E era uma nova curva com relacionamentos diferentes com os outros parentes. A montanha russa parecia retornar onde tudo começou. E isso significava uma troca de pessoas e de vagões. Estela apenas foi para o fundo. A fila não aumentara e ela pode repetir o passeio. Invés de ir sozinha porém, seu namorado agora sentava ao seu lado. Estar acompanhada na montanha russa dá uma sensação maior de segurança. E era isso que Diogo significava para ela. Segurança. Após o "trauma" de seu ex, Estela não queria mais arriscar. Precisava de alguém que gostasse dela. Gostar da pessoas era questão de tempo. Sabia que conseguiria. E a montanha-russa recomeçava. Deu a mão para aquele que seria seu companheiro na sua nova viagem e se preparou para subir. Seu grupo de teatro tinha uma peça novamente. Um musical dessa vez. Estava se dando bem nas provas e simulados. Passar no vestibular era questão de dedicação. Chegava no topo novamente e ia descer. Medo. Estela via sua tia doente e pensava nunca estar tão próxima da possibilidade de.... Não queria pensar sobre isso, mas pensava na demissão de seu pai e na falta de dinheiro que isso iria gerar. Descobria algumas mentiras e algumas verdades sobre pessoas em quem acreditara. A descida porém terminava e lhe dava forças para uma nova curva. Quem sabe sair do país como sua amiga. Ou apenas da cidade, numa universidade pública. O vagão começava a subir. Ela iria apresentar a peça, mas não era apenas uma subida aquilo. Era o looping. 

"Foi boa a peça. Gostei."
"Estavamos sem figurino, o lugar era péssimo. Poderiamos ter feito melhor."
"Vai ter um festival mês que vem. Vamos nos apresentar. Vocês vêm?"
"É lógico Fábio!"
"Hahahaha, esse não é meu nome...."

O vagão estava a noventa graus de inclinação. Algo não ia bem no estômago de Estela.

"Você já vai embora?"
"Vou, está frio. Amanhã venho aqui na praça."
"Tá certo, amanhã nos falamos."

O vagão começava a ficar de ponta cabeça.

"Escreva sobre conversas na praça."
"Uma peça sobre isso? E quem seriam os personagens?"
"Haveria uma senhora... E ela contaria histórias para o jovem, e também aprenderia com ele. E eles conversariam horas a fio na praça."
"E o fim?"
"Ia depender do tempo, mas...

O vagão estava lá, de ponta cabeça e tudo parecia ir muito devagar. Estela sentia o estômago revirar. Não eram borboletas voando por lá. Os sentidos começavam a lhe falar. Não ouvia os gritos. Não via mais com clareza. Tudo girava, e girava. Até parar.

Diogo abraçou a namorada que caira desmaida pelo resto do percurso. O percurso terminava e, pela primeira vez, Estela não estaria acordada para saber como ficava o final.

Continua...