Na verdade, não sei se essa figura é mesmo de Picasso... nem sei o nome dela. Encontrei essa figura por acaso, estava a fazer meu trabalho de História da Arte sobre o Modernismo no Brasil e essa figura estava em um dos sites. Queria saber pintar. Não pintar, pintar. Queria saber pintar como Picasso, por exemplo. Ele não pinta simplesmente algo, com uma única interpretação, lá, estático na tela. Ele pinta sentimentos, em forma de cor, que parecem se mover, e falar e ter cheiro.
Essa pintura falou comigo. Olhei para ela, e ela chorava:
- O que você tem? - Perguntei.
- Nada - respondeu-me ela.
- Como nada? Por que está chorando então?
- Porque me abandonaram, e agora não tenho nada.
- Nós sempre temos algo... Impossível você não ter nada...
- Não tenho nada. Tinha um amor, há algum tempo atrás... mas ele se foi...
- Amores vão e vem... Você não tem uma família?!
- Não... Eu tinha dinheiro, muito dinheiro... Mas meu amado era pobre, e não se sentia bem namorando alguém com tão alto padrão de vida. Doei todo meu dinheiro e passei a ser pobre como ele... Mas eu ainda tinha um nome... Nome de rico... Renunciei meu nome, e com ele minha família... Mas eu tinha meu amado e ainda assim era feliz...
- Ainda que não tenha dinheiro, ainda que não tenha família... você tem saúde... tem vida!
- Minha saúde já não sei onde anda... Ardo em febre toda noite e me viro em cólicas pelo dia. Cansei de esperar pelo meu amado no frio e na chuva, inverno ou verão, dia ou noite... horas e horas... Já não tenho o que espirrar... nem o que tossir... Tudo que podia haver em mim de fluídos de vida se foram...
- E como você se mantém?!
- Não me mantenho... Já nem os orgãos vitais tenho... Era meu amado quem me fazia respirar, e inspirar fundo e suspirar. E ele se foi e parece que já não tenho pulmões por onde respirar o ar... Era meu amado quem me alimentava... De felicidade, de alegria, de amor, de amizade, de paixão, de tesão, do real e do abstrato. Agora que ele se foi nem mais o paladar tenho, só lembranaças do gosto de seus doces beijos... Nem o gosto do féu que é minha vida agora posso sentir... Era meu amado quem fazia meu coração bater. Ah! Como batia forte meu coração ao vê-lo... E como se apertava de saudades... E como se aquecia meu coração ao seu lado... Mas agora ele se foi... Se foi meu amado...
E a menina se colocou a chorar...
Olhei mais uma vez para aquela garota. Que ridículo chorar assim. Por tão pouco... Por nada! Olhei-a mais um pouco. Seus olhos estavam inchados de chorar. Lavei o rosto, e olhei uma última vez para o espelho. Meu olho ainda estava inchado. Passei uma maquiagem para disfarçar. Nunca notariam que eu estivera chorando nas últimas horas. Eu tinha que estar perfeita. Um dos meus clientes já me esperava no carro...
E sai a pensar na incrível desigualdade social... Muito trabalho por pouco dinheiro, por muito menos alimento. E nem milhares de noites de sexo pagam o que se perdeu com o amor... Malditas dívidas do amor...
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